DIÁRIO DA PANDEMIA | TIAGO SANTOS | 26/05/2020

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Há aproximadamente um século, a historiografia buscou novos caminhos para se escrever a História. Saindo de gabinetes governamentais e dos livros didáticos que louvavam heróis e datas comemorativas, presos a esses eventos marcados e datados, a História pouco se movimentava numa análise maior e estrutural da sociedade: as mentalidades. Esse movimento de renovação historiográfica, nascido na França e chamado de Escola dos Annales, buscou explorar o entendimento da história por questões vistas, até então, como banais, tais como a loucura, o conceito estético, os hábitos à mesa, a etiqueta da vestimenta, a sexualidade e tantos outros, passaram a ser analisados em processos longos para se entender sua transformação e a sociedade que os impunham como modelo ou os proibiam como tabu.

Trazido ao Brasil pelo professor Fernando Braudel, na comitiva francesa que auxiliou na fundação da Universidade de São Paulo, na década de 1930, o movimento se propagou e passou a questionar uma historiografia oficial marcada por heróis como Cabral, os jesuítas, os bandeirantes, Tiradentes, Dom Pedro I e outros. Era necessário buscar na História os “silenciados”, aqueles que não foram ouvidos ou inseridos no processo de construção da nossa História, aqueles que não estão nos retratos oficiais dependurados em museus pelo país.

Com esse sentimento de história investigativa e questionamento à história oficial, há 12 anos nasceu a Olímpiada de História (ONHB – Olimpíada Nacional em História do Brasil), produzida, divulgada e acompanhada pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Todos os anos, equipes de alunos de escolas públicas e privadas, semanalmente são convidados a resolverem questões e tarefas que resgatam episódios da História do Brasil onde personagens foram silenciados ou pouco evidenciados ante uma história oficial.

A Olimpíada de História se tornou uma tradição no Colégio Humboldt e, em 2019, a formação recorde de 36 equipes (108 alunos) representou nossa escola até a 4ª Fase, aprofundando o conhecimento dos alunos e alunas na perspectiva de uma história investigativa e multilateral. Este ano caminhávamos para uma ampliação do número de equipes quando fomos surpreendidos pela pandemia de Covid-19. 

No mês de abril foi anunciada a suspensão da Olimpíada de História pela comissão organizadora (UNICAMP). Mas, como maneira de auxiliar os estudantes de todo o Brasil a compreender e preencher esse momento que estamos vivendo, foi oferecida uma PRÉ-ONHB. Durante quatro semanas alunos e alunas de todo o Brasil, de maneira gratuita, individual ou em grupo, participaram on-line de uma competição semanal com questões e uma tarefa. Nossos estudantes foram convidados a participar e a adesão por parte dos alunos de 8ºs ao 12º Anos foi muito grande. A disponibilização de um “Diário da Pandemia” para que os alunos e alunas escrevessem suas impressões e a rotina de como estavam e estão vivendo a pandemia, impressionou pelos relatos.

Finda a competição (23 de maio), os diários (identificados apenas pelas iniciais, idade, cidade e estado) foram disponibilizados para que fossem feitos resumos comentados pelos outros participantes. Talvez aqui, esteja o material mais rico dessa competição, as impressões do momento que estamos vivendo, feita não por órgãos oficiais, por relatórios governamentais ou instituições especializadas, mas, por anônimos como nós que em suas casas e na nova rotina a que fomos expostos, estamos tentando à nossa maneira, sair incólumes, se é que é possível..

Nos diários os sentimentos vão se alterando, na primeira semana são identificados como “sereno” e “sem definição” para durante a semana final se destacarem como “ansioso” e “triste”. Talvez, sejam os mesmos sentimentos conflitantes que estamos vivendo, conforme avançam as semanas de quarentena e também a propagação da pandemia, um misto de angústia, ansiedade e medo toma conta de nós. 

Proponho uma provocação, diante de um momento tão atípico – creio que o mais marcante na vida de todos até aqui, que possamos já imaginar uma vida e um mundo ao final desta pandemia, onde a empatia possa ser mais praticada que o individualismo. que o pensar no coletivo e a construção de uma sociedade mais justa possam nortear nossas ações. Desejando que a educação não seja transformadora apenas na vida estudantil individual, mas que abarque um pensar em soluções de um mundo melhor do que o que tínhamos antes e durante a pandemia.

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