INCLUSÃO, IGUALDADE E EQUIDADE | ERIK HÖRNER | 17/11/2016

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inclusão

• substantivo feminino

ato ou efeito de incluir(-se)

1 – estado daquilo ou de quem está incluso, inserido, metido, compreendido dentro de algo, ou envolvido, implicado em; introdução de uma coisa em outra, de alguém em um grupo etc.

Nem sempre paramos para pensar no significado das palavras que usamos no dia a dia ou se há algo a mais ao escolhermos um vocábulo X ou Y. O pensamento conservador, aquele que defende que não há nada de errado ou ruim com o que existe e, portanto, deseja conservar as coisas como estão, tende a considerar que está tudo bem com o uso comum das palavras e que elas não dizem nada de mais. No entanto, toda palavra arrasta consigo uma história e um contexto. Não temos como ignorar este fato.

Vejamos a palavra “inclusão”. Talvez poucas estejam mais presentes no ambiente escolar que esta e, ainda assim, com tão pouca clareza. A existência de uma vasta bibliografia sobre o tema e de uma legislação obrigando que “se faça” não garantem que “incluir” seja uma ação entendida como natural à escola. Há algum tipo de desconforto em quase todos os envolvidos no processo educacional, desde os alunos e suas famílias até professores e gestores. Ainda que ninguém queira, acredito, se ver excluído, a inclusão como desdobramento da igualdade não se efetiva de fato.

Talvez o problema esteja na ideia de “igualdade”. O mesmo dicionário Houaiss citado anteriormente a define como “princípio segundo o qual todos os homens são submetidos à lei e gozam dos mesmos direitos e obrigações”. Quem não se lembrará de suas aulas de História, dos filósofos Iluministas, da Revolução Francesa e da bandeira tricolor carregada de significados? Todo este contexto faz de “igualdade” mais que uma palavra, trata-se de um conceito, ou mesmo de um paradigma.

Até o Antigo Regime a desigualdade era absolutamente naturalizada. Nobreza e povo se diferenciavam de forma categórica e praticamente insuperável, apenas para citar um exemplo banal. Contudo, povo era uma categoria que reunia todos aqueles que não tinham sangue azul e que, por isso, carregavam o peso do pagamento dos impostos. Especialmente para a burguesia nascente, este ônus precisava ser superado e o pensamento Iluminista casava perfeitamente com as ambições do grupo. Quando a Revolução Francesa, afinal, abriu as portas de um novo tempo, Liberdade, Fraternidade e Igualdade tornaram-se a bandeira (literal e figurativamente) de um universo social tão diverso que apenas o longo e desgastante processo revolucionário pode ajudar a exemplificar.

Não é de se espantar que a igualdade finalmente instaurada era mais legal que efetiva e na maioria dos casos referia-se simplesmente ao fim do domínio da nobreza hereditária. Os direitos dos cidadãos não contemplavam as cidadãs, a participação política dependia da renda, ou seja, o voto era censitário, e a desigualdade social manteve-se tão profunda quanto antes. Contudo, a igualdade como lema, como marca de um novo tempo foi aos poucos se cristalizando no imaginário do pensamento ocidental. E mais, o argumento da existência da igualdade perante as leis, segundo as quais todos têm os mesmo direitos e obrigações, justamente por sermos humanos e iguais, acabou por reprimir até mesmo a luta pela igualdade efetiva.

Quando discuto com professores a educação inclusiva, ou ainda, a educação como arma de combate à exclusão, com frequência ouço de profissionais bem-intencionados a preocupação com a igualdade. “Ao proporcionar a inclusão não estaríamos tratando de forma diferente os alunos?”. Nas entrelinhas podemos ler o incômodo com a desigualdade: se todos têm o direito a estarem na escola e a terem um professor, porque uns receberiam mais atenção que outros? E esta angústia não é apenas de professores, já ouvi de famílias cujos filhos precisariam de um trabalho personalizado “por favor, não quero que meu filho seja tratado diferente dos demais”.

A solução para este paradoxo da igualdade, chamemos assim, parece-me possível apenas reconhecendo que a igualdade da forma como se cristalizou no senso comum é falaciosa. Não somos iguais! O discurso da igualdade, ainda que tenha seu mérito, acabou por sufocar a diversidade, a pluralidade intrínseca à sociedade. Especialmente na escola, nada é mais nocivo à aprendizagem que a crença na homogeneidade. Se alguns gostam de esportes e outros de química, se uns aprendem melhor ouvindo e outros lendo, se uns contestam e outros aderem, se uns são hetero e outros homossexuais porque continuar a insistir em uma igualdade como princípio social?

A escola precisa superar a igualdade e buscar com todo empenho a equidade. Não precisamos, para isso, abandonar a convicção de que o ser humano é essencialmente uno, mas precisamos, sim, elevar a percepção da realidade. Retornemos ao dicionário Houaiss: equidade é o “respeito à igualdade de direito de cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções”. A justiça na escola não reside em que todos sejam considerados idênticos, mas que todos tenham de acordo e na medida de suas necessidades. Assim como não tratamos dor de cabeça com remédio para dor de estômago ou não consideramos que todos tenham obrigatoriamente uma geladeira, inclusive os esquimós, não podemos persistir na padronização em nome de uma pretensa igualdade.

É urgente que compreendamos a inclusão em um sentido amplo, que a vejamos como inserção de todos no mundo da aprendizagem significativa, como bem consta no dicionário, independente de suas facilidades e dificuldades. Este processo pede, obrigatoriamente, que olhemos para a escola pelo prisma da luta por equidade, do reconhecimento de cada aluno em sua singularidade. Mas não nos iludamos, este é um pensamento revolucionário, pois a estrutura escolar que conhecemos hoje se fundamenta na velha igualdade. A escola atual, e muitos já disseram isso, é filha do Iluminismo e, ao superá-la, criaremos novos meios de educar nossas crianças.

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